Delação premiada: o escândalo da Cruz!

No Brasil, a delação premiada está em moda. Desde o ano de sua adoção, em 1999, ela vem sendo aplicada a muitos casos previstos no Código Penal (arts. e 159, §4º, e 288, p.u.). A delação premiada como instituto que conhecemos na atualidade, surgiu na década de 60, aqui nos Estados Unidos, com o nome de plea bargaining - uma espécie de barganha estabelecida entre juiz e réu – havendo a possibilidade de redução da pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). A diferença entre delação e confissão é simples: a delação representa a imputação da culpa a terceiros, e a confissão refere-se à autoincriminação. Pois bem, não podendo simplesmente delatar a "humanidade" (como se dela eu também não fizesse parte), nem podendo hipocritamente imputar culpa somente a terceiros (como se eu fosse inculpável), para o propósito desta breve reflexão, desejo fazer um tipo de confissão delatória, assumindo minha co-participação pecaminosa no escândalo da Cruz (I Cor 1:23; Gál 5:11). Pois, conforme escreveu C. H. Spurgeon, "a Cruz ofende os homens, mais uma vez, porque vai claramente contra suas ideias de mérito humano. Não há uma alma em todo o mundo que, por natureza, gosta de ser despojada de todo o mérito".

Primeiramente, o escândalo da Cruz nos "ofende" por tirar de nós a meritocracia. O orgulho humano nos faz acreditar que somos bons e merecedores do favor divino. Consequentemente, é ele mesmo quem nos encerra num calabouço de suficiências, eliminando de vez de nossos corações a necessidade de Deus, fazendo-nos girar no círculo do nada. E, o que poderia ser mais terrível ao homem do que olhar para dentro de si mesmo e experimentar o desgosto de ser o que é: nada? Insuficientes por natureza, temos impresso no coração uma fatal inclinação e escolha contínua pela paixão de nós mesmos. Seguimos numa busca existencial constante e, ao percebermos nossa miserabilidade, somos arremessados pela angústia que caracteriza a condição humana, numa teia concupiscente de efemeridades e fulgacidades. Assim, descontentes e incapazes de sustentar tal realidade, começamos a tatear todas as coisas ao nosso redor que, infelizmente, assim como nós, estão fadadas ao pó. Em conformidade com G. Bernanos, "não fosse pela vigilante piedade de Deus, parece-me que, à primeira consciência que tivesse de si mesmo, o homem se desmancharia em poeira". No escândalo da Cruz, toda e qualquer possibilidade de merecimento, engenho ou glória humana é destruída, lançando-nos completamente sob uma condição de dependência do favor imerecido de Deus – o Supremo Juiz (Sal 7:11; 9:8; 75:7).

Em seguida, o escândalo da Cruz é um incômodo aos presunçosos e inaceitável àqueles que se julgam melhores. Na Cruz, "não há grego, nem judeu, circuncisão, nem incircuncisão, bárbaro, cita, servo ou livre; mas Cristo é tudo em todos" (Col 3:11). Porque, para Deus, "não há acepção de pessoas" (Rom 2.11). Assim, em termos de salvação, não existe "delação premiada". Não há barganha estabelecida entre nós e Deus. Ninguém vai para o céu por se julgar melhor que ninguém, e muito menos, por "delatar" o próximo! Pois como está escrito: "Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só." (Rom 3:10-12)
"Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus" (Rom 3:23).

Finalmente, o maior escândalo da Cruz é que Deus, mesmo sendo o Supremo Juiz, fez-se também Promotor de um pacto de Graça para com aqueles a quem Ele assim a oferecer. Este favor imerecido não é fruto de nenhuma conquista ou mérito humano, mas uma dádiva da operação e execução exclusiva do Seu juízo e de Sua graça em nós. Portanto, visto que somos pecaminosos e não possuímos justiça própria com a qual pudéssemos satisfazer às exigências da lei de Deus, Cristo, por meio da Cruz, nos proveu escape… e só assim, podemos ter a redenção e a remissão dos nossos delitos e pecados, segundo a riqueza da sua graça (Efé 1: 5, 7-8). E, só pela graça D'Ele é que podemos ser salvos, por meio da fé, e isto não vem de nós… é dom de Deus!