A fanfarrice dos joios

A vida em comunidade, sobretudo a cristã, nem sempre é repleta de alegria e paz. Na verdade, o convívio entre aqueles que se dizem fazer parte da "família de Deus" tem muito frequentemente se caracterizado por decepções, dissabores e frustrações. O lugar que, supostamente, deveria ser marcado pela serenidade e confiabilidade, tem se revelado o palco de guerras e contendas; o campo que deveria ser cenário de manifestação do mais puro amor e despojamento, tem se tornado um campo de invejas e rivalidade. Chega-se ao ponto de não poder acreditar que na casa de Deus possa existir tanta falsidade, engano, hipocrisia e traição. Por que?

A parábola do Joio registrada, exclusivamente, no Evangelho segundo São Mateus 13:24-30 parece responder a estas questões. Primeiramente, a parábola segue uma outra: a do semeador. Nesta primeira, Jesus anuncia que o seu reino (sua palavra) é como uma semente que caíra em diferentes solos. A que caiu num solo bom, teve guarida e cresceu; enquanto as que cairam à beira do caminho e em solo pedregoso e espinhoso, não germinaram. Com isto o Mestre parece reafirmar, e tornar ainda mais evidente, que a terra é boa, ruim mesmo é o que cresce nela. Na verdade, é justamente por conta deste campo ser tão bom que, logo após a semeadura das boas sementes de trigo, vem o inimigo e planta joio no mesmo lugar!

É preciso ter a consciência de que o campo do Senhor é um lugar bom, santo e agradável. No entanto, é fato também que este tem sido o lugar propício para o aparecimento do mal. Desde a entrada do mal na existência, o campo tornou-se habitação natural do joio. O joio só aparece onde há trigo e só se percebe como tal por causa da boa semente. E até importa que seja assim, conforme disse Paulo aos Coríntios: "E até importa que haja entre vós facções [heresias], para que os aprovados se tornem manifestos entre vós." (I Co.11:19).

Surgem assim os grandes questionamentos: por que essas ervas perturbadoras não são completamente removidas de nossas vidas? Porque Deus permite que o joio fique se aproveitando do bom terreno e continue a desafiar o trigo? Porque não há qualquer ação da parte de Deus para erradicá-lo? A resposta parece vir imediatamente: é necessário que eles cresçam juntos! Joio e trigo dividirão o mesmo espaço por um tempo determinado por Deus. Não vale arrancá-los à força. É preciso aprender a esperar que murchem por si próprios ou pelo tempo da colheita onde um será queimado e o outro será guardado.

Enquanto isso, é somente através da graça de Deus (sola gratia) que o trigo encontra condições para viver sua plenitude de ser – sua "trigalidade". Somente a graça lhe dá condições de não sucumbir em meio a fanfarrice* dos joios! É a graça de Deus que lhe sustenta e lhe capacita a manter suas qualidades e características mesmo em meio a falsidade e falácia do joio – erva daninha que por sua semelhança com o trigo é chamado de "falso trigo". É a graça de Deus que sustenta o trigo perante a covardia e a traição dos joios. Joio é covarde! Trama coisas na calada da noite e, à semelhança daquele próprio inimigo que o semeou, traz em sua natureza toda a bestialidade e maldade. Como escreveu William Hendriksen: "O que esse inimigo faz é mesquinho, cruel, covarde, sádico. Ele espera até que todos estejam em profundo sono, para não ser visto e apanhado em flagrante. Então, sem o menor laivo de consideração por todo o trabalho despendido na lavoura, os gastos incorridos e as esperanças alentadas, ele semeia novamente a lavoura, com o mal".

A maior alegria do trigo é saber que um dia toda a jactância dos joios terminará; no tempo em que Deus for servido, a cizânia será arrancada e queimada; enquanto ele, o trigo, repousará tranquilo nos celeiros do seu Senhor.

Sola Gratia

(*) Vanglória, ufania, ostentação, jactância, desvanecimentos impróprios e mentirosos. Valentia só de palavras.