Um Natal a la Charles Dickens

"Honrarei o Natal em meu coração e tentarei conservá-lo durante todo o ano." (Charles Dickens)

Querido leitor,

É-me concedida a honra, uma vez mais, de compartilhar algo sobre o Natal. Proponho uma breve reflexão sobre o espírito jactancioso que envolve o Natal, sobretudo, aqui nos EUA. A mensagem bíblica sobre o natal parece, como sempre, trafegar na contra-mão do pensamento moderno. Mais do que nunca, vivemos dias de dedicação total à vida física e material. Uma busca desenfreada pela posse dos bens e de coisas materiais. Dessa forma, a grandeza buscada pela humanidade não é aquela da alma, mas, exclusivamente, a que se vê nas aparências e exterioridades. Torna-se, infelizmente, quase imperseptível aos olhos que as coisas mais importantes da vida estejam sendo tratadas com desafeição enquanto as futilidades são honradas. Consequentemente, os homens engrandecidos pela nossa sociedade, muitas das vezes, são os mais desprezíveis e miseráveis cuja marca da personalidade é a ufania, a avareza e o egoísmo.

Em Christmas Carol (Um Conto de Natal), uma obra publicada em 19 de dezembro de 1843 com ilustrações de John Leech, o romancista vitoriano inglês, Charles Dickens (1812 – 1870) conta a história de Ebenezer Scrooge* - um homem avarento que não gostava do Natal. Após ser visitado pelo espírito de natais passados, ele é levado de volta ao tempo que lhe permite a lembrança de sua adolescência e o início da sua vida adulta. Scrooge vê quanto tempo desperdiçou tentando acumular riquezas, abandonando inclusive o amor e a bondade. Scrooge é visitado, uma vez mais, por um outro espírito de natal, o presesnte. Desta vez, permitindo-lhe a visão da celebração do Natal por um de seus empregados, Bob Cratchit. Scrooge então percebe que, apesar de pobre, a família de seu empregado é muito feliz e unida. Por fim, o espírito dos natais futuros se apresenta a Scrooge sem nada lhe dizer, apontando simplesmente para uma lápide. Nesta visão, ele vê algumas pessoas rindo do morto, enquanto outras brigam tentando se apoderar dos pertences deixados pelo falecido. Após isto Scrooge amanhece como um outro homem. Ele passa a amar o Natal, e aprende ser generoso com os que precisam.

Talvez, alguns dos meus leitores se encontrem aqui pasmados ao ver o nome de Charles Dickens citado neste periódico cristão. No entanto, propositalmente, trazemos o nome deste ateísta para lembrar do valor pueril e efêmero das coisas materiais. Nas Sagradas Escrituras, o verdadeiro triunfo da realeza de Cristo, é a sua vitória sobre a mesquinhes e a materialidade; sobre o orgulho e a vaidade; sobre a morte e o mal. Sua realeza se afirma pelo serviço e sua dignidade se exprime na ação altruísta que triunfa na instauração do amor. A afirmação clara de que o Seu reinado não é deste mundo serve para mostrar a todos quantos ainda hoje estão sob a dominação das coisas materiais que quem confia em Deus é herdeiro de riquezas insondáveis.

Infelizmente, a cobiça e o desejo insaciável pelas riquezas materiais acabou por se infiltrar na própria doutrina cristã de alguns seguimentos evangélicos. A deformação da verdade tem atraído considerável número de seguidores, pessoas que jamais poderiam assimilar a simplicidade e singeleza do natal de Cristo. Que fique claro: as Escrituras não condenam as muitas posses nem a riqueza, mas sim, a busca ganaciosa, a ostentação e a avareza. Jesus advertiu-nos em São Lucas 12:15 dizendo: "Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui".

Ao olhar para a cena do Natal de Cristo podemos perceber as coisas que, de fato, são possuidoras de grande valor: o amor, a paz, a singeleza de coração, o altruísmo e a fé. O nascimento do Rei dos reis deu-se numa estrebaria; seu séquito, naquela ocasião, foi de vacas e bezerros, bodes e carneiros; o berço real não passou de uma manjedoura forrada de palha. No entanto, "a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus; a saber: aos que crêem no seu nome." (João 1.12). Certamente, quando Deus concretiza seu projeto de habitação em cada um de nós, transforma-nos, antes, em algo simples e humilde - condomínio de estrebarias. Apenas as almas modestas, despretensiosas e sem ambições para este mundo permitirão que o verdadeiro espírito do natal permaneça durante todo o ano.

Resgatemos, pois, a essência verdadeira do Natal de Cristo. Que os nossos corações sejam este lugar simples e puro, todavia, caracterizado pela consciência da inteira e completa dependência de Deus para o corpo e para a alma.